Na tarde desta terça-feira (04), a Secretaria da Segurança Pública do Piauí (SSP-PI), por meio da Polícia Civil do Piauí (PC-PI), deflagrou a Operação Carbono Oculto 86, no contexto do Pacto pela Ordem, que revelou um “braço financeiro” da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) no Norte e Nordeste. O grupo paulista, historicamente vinculado ao tráfico e à lavagem de dinheiro, teria expandido sua atuação para o setor de combustíveis, utilizando uma teia de empresas de fachada, fundos de investimento e “laranjas” para movimentar milhões de reais em operações suspeitas.
A investigação iniciou após a venda da chamada Rede de Postos HD, conglomerado com dezenas de filiais nos estados do Piauí, Maranhão e Tocantins. A transação, realizada no fim de 2023, levantou suspeitas: a compradora, Pima Energia Participações Ltda, havia sido criada apenas seis dias antes da assinatura dos contratos. A Polícia Civil encontrou indícios de que a Pima Energia funcionava como empresa de fachada, ligada ao Jersey Fundo de Investimento em Participações e à Altinvest Gestão de Recursos, nomes já citados na Operação Carbono Oculto, deflagrada pela Receita Federal e Ministério da Justiça em agosto de 2025, que desmantelou um esquema de R$ 52 bilhões comandado por integrantes do PCC no setor de combustíveis.
“Começamos as investigações com várias denúncias de adulteração de combustíveis, além de fiscalizações do Procon e do IMEPI. Então, são mais de 20 autuações por posto de gasolina, em que nós tínhamos uma fraude quantitativa, quando há uma quantidade menor de combustível, e qualitativa, quando há aditivos adicionados à gasolina. Além disso, a Sefaz analisou, ao longo de 2023 e 2024, crimes tributários, ou seja, contra o Fisco. Nós sabíamos e iniciamos uma investigação sobre a origem do recurso, que era estranha, pois os proprietários eram de São Paulo. Havia um receio de que essa origem fosse ilícita, mas não havia certeza”, explicou o secretário da Segurança do Piauí, Chico Lucas.
Segundo a Polícia Civil, embora formalmente vendidos, os postos HD continuaram sob o controle indireto dos empresários piauienses H.S.G.S. e D.C. de S. Documentos apontam que as novas empresas eram administradas por ex-funcionários dos próprios empresários, pessoas com perfil socioeconômico incompatível com o de donos de holdings milionárias sediadas na Avenida Paulista, em São Paulo.
Com o avanço das diligências, a Polícia Civil mapeou mais de 70 empresas envolvidas no esquema, incluindo postos, construtoras, distribuidoras, transportadoras e até fintechs. Após a venda, muitos estabelecimentos mudaram de nome e passaram a operar sob novas bandeiras, como Rede Diamante e Rede Pima, mas mantinham o endereço, funcionários e estrutura operacional.
De acordo com o delegado Anchieta Nery, diretor de Inteligência da SSP-PI, foram identificados CNPJs sobrepostos, alterações societárias em série e transferências entre empresas criadas para dissimular a origem dos recursos. Ademais, nas redes sociais, as esposas dos empresários piauienses continuavam ostentando carros de luxo, viagens internacionais e propriedades rurais de alto valor, padrão de vida incompatível com os lucros declarados do negócio.

Além da lavagem de dinheiro, a investigação detectou um padrão de fraudes graves: adulteração de combustíveis, prática que causa prejuízo direto ao consumidor, riscos à segurança e evasão fiscal. “A adulteração desorganiza o mercado concorrencial, reduz a arrecadação de tributos e fomenta a economia subterrânea, além de violar o Código de Defesa do Consumidor e causar danos ambientais pela emissão irregular de poluentes. Ou seja, o motorista é enganado, o Estado perde arrecadação e o crime organizado lucra com a sonegação e o reinvestimento dos valores ilícitos”, ponderou Anchieta Nery.
“Essa operação teve início em São Paulo, onde inclusive ocorreram prisões. Aqui, no Piauí, a partir de uma investigação conduzida pela Polícia Civil, em parceria com o IMEPI, verificamos que o modo de atuação e muitos dos envolvidos eram os mesmos. Nós, do sistema de justiça, estamos cumprindo a nossa missão, que é grandiosa e exige integração, cooperação e união de esforços interinstitucionais”, pontuou a Procuradora-Geral de Justiça Cláudia Seabra.
Também foram identificados indícios de fraude eletrônica, controlada remotamente por celular, e as placas apreendidas foram encaminhadas à perícia. “Essa operação é um marco para os consumidores e para a sociedade piauiense. Pela primeira vez, postos de combustíveis estão sendo interditados e não voltarão a funcionar no mesmo dia. Hoje, cerca de 30 estabelecimentos em Teresina permanecem interditados. Agradeço a parceria do Ministério Público, da Polícia Civil e de todos os agentes envolvidos. Essa é uma resposta concreta do Estado e reforça nosso compromisso com a proteção do consumidor piauiense”, afirmou o diretor-geral do IMEPI, Júnior Macêdo.
O elo com São Paulo e o PCC
As provas reunidas pela equipe do Laboratório de Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil do Piauí (LAB-LD/PC-PI) confirmam que os fundos e empresas que compraram os postos piauienses estão diretamente vinculados aos alvos da Operação Carbono Oculto, deflagrada em São Paulo. Entre os nomes em comum está Rogério Garcia Peres, gestor da Altinvest, apontada como uma das principais fintechs usadas pelo PCC para movimentar recursos de origem ilícita.
Notas fiscais apreendidas no Piauí mostram transações diretas entre empresas locais e distribuidoras paulistas que já figuram em investigações sobre lavagem de dinheiro e adulteração de combustíveis, entre elas Duvale Distribuidora, GGX Global e Copape Produtos de Petróleo.
Também foram localizadas 504 notas fiscais emitidas por distribuidoras controladas pelo PCC em favor das empresas piauienses, além de remessas financeiras vultosas realizadas por Denis Alexandre Jotesso Villani, empresário de Araraquara (SP), para firmas ligadas ao grupo investigado. Villani aparece como sócio de ao menos 40 empresas, incluindo 12 postos Diamante no Piauí, e transferiu mais de R$ 700 mil para uma empresa que, segundo a Receita Federal, pertence a laranjas identificados na Carbono Oculto.
A Polícia Civil do Piauí identificou semelhanças entre os esquemas nacional e local, como o uso de fundos de investimento, fintechs clandestinas, empresas de fachada e adulteração de combustível como fachada para lavagem. “O que se viu no Piauí é um microcosmo da estrutura financeira do PCC: o mesmo DNA empresarial, os mesmos atores e o mesmo modus operandi”, concluiu Nery.
Com base nas provas, a Polícia Civil cumpriu mandados de busca e apreensão nas residências e empresas ligadas aos principais envolvidos, bloqueio de bens e contas das empresas listadas, e na manhã desta quarta-feira (05) foi realizada a interdição dos postos de combustíveis apontados nas investigações. As medidas visam estancar o fluxo financeiro ilícito e garantir reparação ao erário.
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