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Morte de voluntário da Coronavac não está relacionada a vacina da Covid-19

A causa da morte do voluntário que participava dos testes clínicos da fase 3 da Coronavac não foi relacionada com a eventual aplicação da vacina contra a Covid-19.

A principal suspeita dos investigadores ouvidos é a de que a pessoa, um químico de 32 anos, tenha cometido suicídio ou tido uma overdose.

A informação de que ele teria se matado havia sido divulgada mais cedo pela TV Cultura, do governo estadual. A hipótese é vista como mais provável por pessoas ligadas ao caso e o Boletim de Ocorrência, obtido pela Folha, registra o caso como “suicídio consumado”.

Um laudo toxicológico deverá dirimir essa dúvida nos próximos dias. A vítima foi encontrada pelo zelador de seu prédio já morta, às 15h do dia 29 de outubro. Ele estava num banheiro caído, com uma seringa ao seu lado, assim como diversas ampolas de um medicamento não identificado.

Segundo a polícia, o zelador entrou no apartamento depois que seu namorado relatou que ele estava sem dar notícias havia dois dias e não atendia ao telefone.

O Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, que coordenava o grupo de voluntários integrado pela vítima, já havia descartado a relação entre a morte e a vacina. O mesmo foi feito pelas autoridades estaduais.

É essa natureza sensível da informação, aliada ao sigilo médico inerente à realização de estudos com voluntários, que fez o governo de São Paulo evitar falar por que tinha certeza de que a suspensão dos ensaios com a vacina chinesa não se justificava.

A decisão de parar os estudos pegou o governo de surpresa, já que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estava a par da natureza do que é chamado de evento adverso entre o grupo de voluntários.

A suspeita é de que tenha havido direcionamento político na decisão, visando prejudicar o cronograma da vacinação contra o novo coronavírus, prioridade da gestão do governador João Doria (PSDB), que é adversário direto do presidente Jair Bolsonaro.

Isso foi reforçado após Bolsonaro celebrar uma “vitória” em rede social contra Doria acerca da suspensão dos testes. Os governantes vivem uma “guerra da vacina”, com o presidente questionando tanto a eficácia quanto a obrigatoriedade da imunização, mesmo tendo convênio para comprar o produto da britânica AstraZeneca.

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, havia cometido um ato falho ao falar em óbito durante uma entrevista ao vivo na própria Cultura, na noite de segunda (9). Nesta terça, afirmou que havia citado isso apenas em teoria.

Ainda não se sabe se o voluntário recebeu a Coronavac, que no Brasil será produzida pelo Butantan a partir do ano que vem, caso seja eficaz, ou um placebo, como parte do grupo de controle do ensaio da fase 3. A aplicação foi feita 25 dias antes da morte.

Os chineses da Sinovac, criadores do imunizante, acreditam que os estudos estarão encerrados em seu país até o fim deste mês. No Brasil, há 13 mil voluntários da Coronavac sendo acompanhados. Para ser liberada, ela precisa de aprovação justamente da Anvisa.

Informações incompletas

O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, disse que a decisão de suspender os testes da vacina Coronavac foi técnica e ocorreu após a agência receber informações incompletas do Instituto Butantan, que deixaram dúvidas sobre o caso.

Segundo representantes da agência, o estudo continuará suspenso até que todos os dados sejam avaliados.

“Ainda mantemos a suspensão porque não temos evidências e dados que tragam confiança que o estudo pode continuar”, afirmou o gerente-geral de medicamentos, Gustavo Mendes.

A paralisação dos testes foi anunciada pela agência na noite de segunda (9). Segundo a Anvisa, a decisão ocorreu devido ao registro de um evento adverso grave. Detalhes da ocorrência não foram informados devido a protocolos de sigilo.

A agência justificou a medida devido à necessidade de analisar os dados e avaliar o risco/benefício do caso.

Nesta terça, autoridades de saúde do governo de São Paulo afirmaram que é impossível que o evento tenha relação com a vacina.

Conforme a Folha divulgou, a principal suspeita dos investigadores é a de que a pessoa, um químico de 32 anos, tenha cometido suicídio ou tido uma overdose -o que demonstra que o caso não teria nenhuma ligação com a vacina.

Questionado, Barra Torres nega que a agência tenha sido informada sobre a causa da morte até esta segunda (9), quando a decisão por suspender os testes foi adotada.

“A decisão tomada ontem era a única a ser tomada em sede de dúvidas”, disse. “As informações veiculadas ontem foram consideradas insuficientes e incompletas para que ontem fosse impossível continuar permitindo o desenvolvimento vacinal”, afirmou.

“Não é brincadeira o que estamos tratando aqui. Não é brincadeira atestar que uma vacina pode ser dada a uma pessoa. Isso não pode ocorrer em sede de dúvidas. E documentos claros, precisos e completos têm que ser enviados a nós, o que não aconteceu”, disse Barra.

Ainda de acordo com Barra, ainda que já haja outras informações divulgadas sobre o caso, a Anvisa não pode tomar decisões sem que receba esses dados pelo comitê independente internacional.

“Informações para a gente não são informação se não vêm pelo canal correto. Não é brincadeira de criança”, afirma. “Se não vem de um comitê independente, essa informação não tem valor.”

“No momento da suspensão, a única informação que tínhamos era evento adverso grave não esperado”, afirmou a diretora Alessandra Soares.

Em coletiva, membros da Anvisa também rebateram críticas do diretor do Butantan, Dimas Covas, que afirma que o instituto não foi comunicado com antecedência do caso, mesmo tendo enviado dados no dia 6 deste mês.

A agência, no entanto, informa que só teve conhecimento da comunicação do Butantan na segunda (9).

A diferença nas datas ocorreu devido a medidas de segurança adotadas pela área de tecnologia após suspeita de ataques cibernéticos a órgãos do governo.

Membros da agência negam ter recebido um documento detalhado sobre o caso, diferentemente do que afirma o Butantan.

Uma reunião foi feita na manhã desta terça sobre o caso. De acordo com Mendes, o objetivo era alinhar expectativas. “Não se tratou de evidências, mas dos próximos passos e procedimentos”, afirma. Ele admite, porém, ter recebido mais informações sobre o caso, mas diz que a agência manterá a suspensão até receber todos os dados. “Precisamos de um olhar independente sobre o fato”, diz.

“Uma situação de politização põe em xeque o nosso trabalho. O que nós pedimos é que o trabalho técnico seja respeitado. Estamos zelando por melhores informações”, disse Mendes.

A Coronavac é a aposta do governador João Doria (PSDB) para controlar a pandemia e virou alvo de críticas por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), seu rival político.

Em outubro, Bolsonaro esvaziou o acordo anunciado na véspera por seu ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac. “NÃO SERÁ COMPRADA”, escreveu Bolsonaro em letras maiúsculas em uma rede social ao responder a um internauta que alegara querer ter “um futuro, mas sem interferência da ditadura chinesa”.

O presidente também disse que não acreditava que a Coronavac transmitisse credibilidade porque “esse vírus [Covid-19] teria nascido” na China, afirmou.

Nesta terça (10), o presidente comemorou a suspensão dos estudos clínicos da Coronavac no Brasil e disse que o episódio é “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

“Esta é a vacina que o [governador João] Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”, escreveu no Facebook. “O presidente [Bolsonaro] disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha.”


Fonte: Igor Gielow/Folhapress

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