No ano em que a Constituição Federal completa 37 anos, a promessa de uma cidadania cada vez mais digital se vê ameaçada por um fenômeno inquietante: o golpe do falso advogado. O avanço tecnológico, que deveria ampliar o acesso à Justiça, tem sido também um campo fértil para fraudes sofisticadas — e o novo botão de contestação do Pix surge como uma resposta institucional à altura desse desafio.
A metamorfose da fraude
O golpe se aproveita de algo que o próprio sistema judicial estimula: a transparência. Informações públicas disponíveis no PJe, no Cadastro Nacional da Advocacia e até em redes sociais têm sido manipuladas por criminosos que se passam por advogados reais. Utilizando números verdadeiros de processos e comunicações que imitam o linguajar jurídico, eles constroem um cenário de total verossimilhança.
A tática é sutil e precisa: o contato é feito por aplicativos de mensagem, com tom de urgência e aparência de legitimidade. Frases como “é necessário pagar as custas processuais para liberar o crédito” induzem a vítima a transferir valores via Pix ou boletos para contas de terceiros. A confiança, pilar da relação cliente-advogado, torna-se a própria armadilha.
Um gesto simples pode romper essa ilusão: exigir uma videochamada. Golpistas, por razões óbvias, evitam o contato visual.
Quando o golpe é identificado
A reação deve ser imediata. Confirmar com o advogado verdadeiro — presencialmente ou por vídeo — é o primeiro passo. Em seguida, registrar boletim de ocorrência (de preferência na Delegacia de Crimes Cibernéticos), contestar a transação no banco e comunicar a OAB e o respectivo Tribunal.
A novidade é que, a partir de outubro de 2025, o cidadão ganha uma ferramenta extra de defesa.
Pix com botão de contestação: o escudo digital
Anunciado pelo Banco Central em 30 de setembro de 2025, o novo botão de contestação promete tornar o combate às fraudes mais ágil e acessível. Ao acionar o recurso dentro do aplicativo bancário, o usuário ativa o Mecanismo Especial de Devolução (MED) — um protocolo que comunica imediatamente a suspeita de golpe ao banco do recebedor.
Se o caso for confirmado, o valor pode ser devolvido em até onze dias. Segundo Breno Lobo, chefe adjunto do Departamento de Competição e Estrutura do Mercado Financeiro do BC, trata-se de “um avanço no empoderamento do usuário frente às fraudes digitais”.
O recurso, contudo, é restrito a situações de fraude e coerção — não se aplica a desacordos comerciais, arrependimentos ou erros de digitação.
A resposta da advocacia
A advocacia brasileira também reagiu. No Colégio de Presidentes da OAB, realizado em Natal (RN) no início de outubro, foi criado um grupo de trabalho nacional voltado a reforçar a segurança digital e combater falsos escritórios de advocacia.
Mais do que proteger honorários ou reputações, a medida busca preservar algo essencial: a confiança pública na Justiça e nos profissionais que a representam.
Entre a tecnologia e a ética
O golpe do falso advogado expõe um paradoxo contemporâneo: quanto mais digitais nos tornamos, mais vulneráveis ficamos à manipulação de nossa própria confiança.
O novo botão do Pix, ao permitir contestação imediata, é mais do que um avanço técnico — é um ato de cidadania digital. Um lembrete de que a tecnologia, quando guiada por valores éticos e institucionais, pode ser não apenas um campo de risco, mas também um escudo da sociedade conectada.
FONTE: Migalhas.com e Banco Central do Brasil (BACEN).